Como transformar dados educacionais em princípios direcionadores
Neste texto, analiso os principais indicadores da Educação Básica brasileira, da alfabetização ao Ensino Médio, combinando dados do IDEB, SAEB e de Nível de Equidade na Aprendizagem com princípios direcionadores para orientar políticas públicas e projetos pedagógicos que promovam equidade, aprendizagem integral e contextualizada, visando transformar desafios em oportunidades.
Marina Queiroz
5/24/202510 min read
Sabemos que o desafio da Educação Básica é gigante e ocupa papel central na transformação social. Particularmente, as minhas experiências pessoais e profissionais me fizeram acreditar fielmente que a Educação é capaz de provocar as micro-revoluções necessárias para que o Brasil possa se tornar um país mais justo socialmente. Como professora, essa é a minha esperança.
Como economista, aprendi que os dados revelam a realidade: são fotografias que mostram o macro (os números gerais) e o micro (rostos e histórias por trás dos números). Ao conhecer essas realidades, entendemos as dinâmicas sociais e econômicas, as relações de poder e de opressão e, diante da complexidade dos problemas, pensar caminhos de solução transformadora.
Por isso, escrevi esse texto para trazer informações sobre a Educação Básica, desde a sua constituição legal, perpassando pelos dados atuais e pensando em caminhos de transformação. Vamos juntas e juntos?
Primeiro, existem diversas normativas que estruturam e regulam o sistema educacional brasileiro. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1961 definiu o modelo inicial, e, com a Constituição de 1988, o acesso gratuito e universal à Educação Básica tornou-se dever do Estado. Em 1996, a LDB foi revisada, organizando a Educação Básica em Educação Infantil, Ensino Fundamental (1º–9º anos) e Ensino Médio. Em 2017 e 2018, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabeleceu competências e aprendizagens essenciais para todas as etapas (MEC, 2017).
Além disso, desde 1962 existe o Plano Nacional de Educação (PNE), mas foi em 1988 que ele se tornou dispositivo constitucional. O PNE direciona as metas e prioridades para um decênio, norteando as políticas públicas. Entretanto, para saber aonde queremos chegar, é preciso saber de onde partimos. Por isso surgiram indicadores de monitoramento. Um dos mais importantes é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), criado em 2007, cujo objetivo é medir a qualidade do aprendizado nas escolas brasileiras, combinando o fluxo escolar (aprovação e retenção) e o desempenho no SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica).
E qual é o retrato atual da educação brasileira?
Relacionando o PNE ao IDEB, verificamos que o PNE 2014–2024 definiu, na Meta 7, que até 2024 a média nacional do IDEB alcançasse 6,0 nos anos iniciais do Ensino Fundamental, 5,5 nos anos finais e 5,2 no Ensino Médio. Em 2023, entretanto, o IDEB registrou 5,3, 4,8 e 4,3, respectivamente (INEP, 2023), indicando que ainda há um longo caminho para atingir os objetivos propostos.
Para analisarmos os indicadores em cada etapa de ensino — alfabetização, anos iniciais, anos finais e Ensino Médio —, trago nos próximos tópicos tantas conquistas recentes quanto desafios persistentes. Por fim, apresentarei princípios direcionadores que podem guiar políticas e práticas inovadoras, conectando teoria, dados, experiências que tive na sala de aula e nos projetos que atuei. Deixo explícito que, esse texto é uma mistura entre dados (objetivos), metodologias, teorias, estudos e práticas como professora e gestora de projetos (objetivas e subjetivas) e a forma como absorvi tudo isso e entendo que são caminhos interessantes (subjetivos).
Alfabetização
O momento da alfabetização configura-se como a base para toda a trajetória escolar. A Meta 5 do Plano Nacional de Educação estabelece que todas as crianças sejam alfabetizadas até o final do 3º ano do Ensino Fundamental, mas em 2023 apenas 56 % delas alcançaram esse patamar (INEP, 2023). Em contraste, algumas redes municipais, como a do Ceará, registraram avanços expressivos: segundo dados do SPAECE (Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará), a taxa de alfabetização no 2º ano passou de 92,1 % em 2021 para 97,1 % em 2023, representando um ganho de 5 pontos percentuais em dois anos (SEDUC-CE, 2024).
Esse progresso, contudo, ainda está longe de satisfazer a meta nacional e evidencia a necessidade de ampliar o olhar para a alfabetização considerando a diversidade territorial do Brasil e de suas gentes; as abordagens efetivas de ensino da leitura e da escrita; a qualidade da infraestrutura das escolas; a formação inicial e continuada de professores; a continuidade das políticas públicas; e a inserção da família e da comunidade no processo de aprendizagem das crianças.
Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano)
Nos anos iniciais, o IDEB nacional atingiu a nota de 6,0 em 2023, mas essa média oculta disparidades profundas. Entre os estudantes de baixo nível socioeconômico, apenas 32 % tiveram aprendizagem adequada em Matemática, enquanto esse percentual chegou a 52 % entre os de nível mais elevado. Ao analisarmos por cor ou raça, verificamos que apenas 30 % dos estudantes pretos e 33 % dos indígenas alcançaram proficiência em Matemática, contra 52 % dos brancos.
As razões para o baixo desempenho são inúmeras: dificuldade de acesso a materiais didáticos de qualidade, falta de apoio especializado, ausência de formação antirracista e carência de programas de reforço escolar, o que aprofunda as desigualdades e gera um descompasso entre as expectativas curriculares e o aprendizado efetivo.
Em redes estaduais como as do Ceará e de Pernambuco, a implantação de avaliações diagnósticas seguidas de reforço focalizado reduziu em até dois pontos percentuais a reprovação no 3º e no 4º anos, segundo relatórios das respectivas Secretarias de Educação.
Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano)
Durante os anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano), menos de 35 % dos estudantes demonstraram proficiência em Língua Portuguesa e apenas 16 % em Matemática, de acordo com o SAEB 2023. As taxas de rendimento mostram ainda que, em 2023, a reprovação atingiu 4,8 % dos alunos dessa etapa, enquanto o abandono escolar foi de 1,2 % – números que, embora melhores do que em 2022 (6 % de reprovação e 1,9 % de abandono), ainda revelam desafios significativos. Quando comparamos a transição do 5º para o 6º ano, a diferença torna-se ainda mais desafiadora: o abandono no 5º ano ficou em apenas 0,3 %, mas saltou para 1,2 % já no 6º ano, indicando que a entrada na adolescência e as mudanças de ciclo escolar agravam o risco de evasão.
Esse período é marcado por intensas transformações cognitivas e socioemocionais, o que exige metodologias ativas e propostas de aprendizagem conectadas à realidade dos adolescentes. No entanto, a fragilidade de políticas públicas específicas para os anos finais contribui para o aumento tanto das reprovações quanto do abandono escolar. A ausência de um olhar estruturado para essa fase muitas vezes faz com que as adolescências se sintam desconectadas da escola.
Para enfrentar esses desafios, o Governo Federal lançou recentemente o Programa Escola das Adolescências, voltado a apoiar gestores e professores na construção de espaços escolares mais atraentes e adequados às necessidades dos jovens. Paralelamente, o Instituto Reuna publicou o Referencial Pedagógico de Educação Integral para os anos finais, oferecendo diretrizes para a implementação de ações socioemocionais, de educação integral e de gestão participativa. Essas iniciativas começam a preencher lacunas importantes, mas dependem de ampla adoção pelas redes estaduais e municipais, além de monitoramento contínuo, para realmente reduzir reprovação e evasão nessa etapa tão decisiva.
Ensino Médio
O Ensino Médio enfrenta desafios específicos. Apesar de sua importância na preparação para o prosseguimento dos estudos ou para o ingresso no mercado de trabalho, a nota média do IDEB em 2023 permaneceu abaixo de 4,5 e quase 14 % dos jovens abandonaram a escola, sobretudo na transição do 9º ano para o 1º ano do Ensino Médio. Além disso, persistem fortes desigualdades, pois estudantes pretos e pardos apresentam desempenho até 30 pontos percentuais inferior ao de estudantes brancos.
Em contrapartida, algumas redes, como as de Belo Horizonte e de São Paulo, implementaram itinerários formativos e programas de orientação profissional que reduziram em até 4 pontos percentuais a evasão no 1º ano do Ensino Médio, mostrando o potencial de inovações pedagógicas e de apoio à trajetória do aluno. No âmbito federal, iniciativas como o Programa Pé-de-Meia e sua versão voltada a licenciaturas oferecem bolsas e estímulos para que os estudantes permaneçam na escola e incentivam a formação de futuros docentes, contribuindo para uma rede de ensino mais qualificada.
Perspectivas para a Transformação
Os dados apresentados não se resumem a estatísticas, mas constituem um convite urgente à ação. Projetos bem concebidos e políticas públicas robustas podem tornar o percurso escolar mais justo e transformador. Diante da complexidade da Educação Básica, é fundamental acolher perspectivas diversas, de quem ensina, aprende, gerencia, legisla, pesquisa e implementa, para construir uma visão multidimensional. Só assim teremos uma abordagem sistêmica capaz de gerar impactos duradouros em todas as etapas e garantir a todos o direito a uma educação pública de qualidade.
Princípios direcionadores
A seguir, três eixos que, na minha opinião, devem orientar intervenções em todas as etapas da Educação Básica:
Educação Integral e Desenvolvimento Socioemocional
Estudos recentes demonstram que a oferta de educação integral, que combina jornada ampliada, currículo enriquecido e ênfase no desenvolvimento socioemocional, gera ganhos significativos de aprendizagem. Um experimento conduzido entre 2018 e 2020 em 24 escolas de Santa Catarina concluiu que, após a implementação do modelo de educação integral, houve um aumento de 20 pontos na escala de proficiência do SAEB em Português e Matemática, o equivalente ao aprendizado acumulado de um ano letivo inteiro . De forma similar, uma avaliação do Programa Ensino Integral na rede estadual de São Paulo, que utiliza metodologia de pareamento por escore de propensão e diferenças em diferenças, confirmou melhorias estatisticamente significativas no desempenho dos alunos nos testes do SAEB entre os anos finais do Fundamental .
Além desses resultados, um estudo do Instituto Sonho Grande analisou os efeitos econômicos diretos e indiretos do tempo integral, apontando não apenas ganhos de aprendizagem, mas também retorno social, como maior engajamento escolar e redução de comportamentos de risco, quando a ampliação da jornada escolar é combinada com componentes socioemocionais e de apoio ao estudante . Esses achados reforçam a importância de investir em modelos de educação integral e de tempo integral que articulam currículo ampliado, formação de professores e suporte socioemocional para elevar de forma consistente os índices de proficiência nas avaliações nacionais.
Educação Contextualizada
A aprendizagem ganha significado quando conecta o currículo à realidade dos alunos. Iniciativas que exploram dados locais, desafios do território e projetos interdisciplinares reforçam o engajamento e a pertinência dos conteúdos.
Por isso, para promover a educação contextualizada, é fundamental articular o currículo a projetos que partam da realidade local, envolvendo desde o uso de dados de produção ou cultura comunitária até parcerias com organizações do território para oficinas e laboratórios itinerantes. A formação de professores também deve incluir imersões em contextos diversos, para que eles compreendam as especificidades regionais e possam adaptar metodologias, e a aplicação de avaliações diagnósticas periódicas, com a escola usando indicadores públicos para ajustar seu plano de ação de forma colaborativa, envolvendo gestores, equipes e famílias.
Enfrentamento das Desigualdades
Os recortes de NSE, raça e gênero apontam disparidades profundas. Estudantes de baixo NSE e pretos ou pardos alcançam taxas de adequação até 30 pontos percentuais abaixo de colegas de alto NSE e brancos. Políticas públicas devem incorporar ações afirmativas e alocação equitativa de recursos. No enfrentamento das desigualdades, ações afirmativas direcionadas, como reservar vagas em programas de reforço e oferecer apoio financeiro extra a estudantes de baixa renda (como o Programa Pé-de-Meia) ou a grupos historicamente excluídos, ajudam a compensar desvantagens estruturais. É preciso incorporar formação antirracista e de pedagogia inclusiva em todos os cursos de licenciatura e programas de desenvolvimento profissional, além de fomentar a produção de materiais didáticos que reflitam a diversidade cultural. Por fim, o monitoramento contínuo de indicadores por cor, raça, gênero e nível socioeconômico, tornado público e debatido em conselhos escolares e observatórios locais, garante transparência e responsabilização coletiva na luta por uma educação verdadeiramente equitativa.
Acredito que a Educação Básica cumpre seu papel transformador quando promove equidade e qualidade em cada etapa. Investir em diagnósticos precisos, em práticas pedagógicas centradas no estudante, em projetos que auxiliem a qualificar melhor e direcionar a construção políticas públicas consistentes é o caminho para oferecer a todos as crianças, adolescentes e jovens brasileiros a oportunidade de aprender com significado e construir um futuro de maior justiça social, sem deixar nenhum estudante para trás.
Referências
BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.” Diário Oficial da União, 22 dez. 1961.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, 5 out. 1988.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. “Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.” Diário Oficial da União, 23 dez. 1996.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Base Nacional Comum Curricular: Educação Básica. Brasília, 2017.
BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. “Plano Nacional de Educação 2014–2024.” Diário Oficial da União, 26 jun. 2014.
INEP. Resultados do IDEB 2023. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2024.
INEP. SAEB 2023: Sistema de Avaliação da Educação Básica. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2024.
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